A radiômica, ciência que interpreta exames de imagem convencionais como tomografia computadorizada, ressonância magnética e PET scan, convertendo-os em dados quantitativos complexos, tem surgido como uma das áreas mais promissoras da oncologia de precisão.
A partir da análise computacional de centenas a milhares de variáveis, incluindo forma, textura, intensidade e heterogeneidade tumoral, é possível gerar assinaturas de imagem que se correlacionam com características biológicas, moleculares e prognósticas do câncer.
1 e 2
Introduzida na oncologia há pouco mais de uma década, a radiômica tem demonstrado potencial em diferentes etapas do cuidado oncológico: diagnóstico, estratificação de risco, predição de resposta terapêutica e monitoramento da doença. Contudo, a incorporação ampla na prática clínica ainda enfrenta desafios relacionados à padronização metodológica e à validação multicêntrica.
1 e 2
Aspectos conceituais e metodológicos
O processo radiômico compreende diversas etapas interligadas: aquisição e padronização das imagens, segmentação da região de interesse, extração e seleção das características mais informativas e, por fim, modelagem preditiva por meio de algoritmos de aprendizado de máquina. Essas características podem ser obtidas a partir de descritores matemáticos pré-definidos (como intensidade, forma e textura) ou extraídas de forma automatizada por técnicas de aprendizado profundo (
deep learning), capazes de reconhecer padrões complexos de maneira autônoma.
3
Aplicações clínicas investigadas
As aplicações da radiômica já exploradas na oncologia abrangem desde o diagnóstico até o prognóstico. No diagnóstico, por exemplo, a técnica tem sido investigada para distinguir subtipos moleculares de gliomas (IDH-mutados
versus selvagens)
4 e para predizer a expressão de PD-L1 em câncer de pulmão.
5 Após terapias com intenção curativa, modelos baseados em tomografia computadorizada foram utilizados para estimar o risco de recidiva em pacientes com câncer de pulmão submetidos à radioterapia.
6 Já durante o acompanhamento clínico, assinaturas radiômicas vêm sendo avaliadas como ferramentas para antecipar padrões de resposta terapêutica ou de progressão tumoral.
7
Evidências recentes
Na ASCO 2025, foi apresentada uma análise do estudo PURE-01, que incluiu 112 pacientes com câncer de bexiga músculo-invasivo tratados com
pembrolizumabe neoadjuvante. A avaliação de 289 parâmetros radiômicos obtidos das ressonâncias identificou variáveis de forma e textura fortemente associadas à resposta ao tratamento. O modelo foi capaz de antecipar corretamente a ocorrência de resposta patológica completa em 86% dos casos (IC95% 72%–100%) e de resposta maior em 92% dos casos (IC95% 81%–100%). Esses achados reforçam o potencial da radiômica em prever desfechos de imunoterapia, embora ainda precisem de validação externa.
8
Em um estudo retrospectivo com 313 pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas, foi desenvolvido um nomograma radiômico a partir de PET scan integrado a aprendizado de máquina para predizer o
status mutacional do EGFR. O modelo combinado, que reuniu escores radiômicos com variáveis clínicas e radiológicas, demonstrou desempenho robusto, sendo capaz de distinguir corretamente pacientes com e sem mutação do EGFR em 83% dos casos (IC95% 72%–94%) na validação externa, superando significativamente os modelos baseados apenas em dados clínicos ou radiológicos.
9
Mais recentemente, um estudo prospectivo com 126 pacientes com câncer de mama submetidos à mamografia contrastada antes da biópsia desenvolveu um escore clínico-radiômico voltado à predição prognóstica. O modelo integrado apresentou desempenho superior ao escore clínico isolado, com capacidade de discriminar corretamente os desfechos clínicos em 84% dos casos para sobrevida global e em 82% para sobrevida livre de doença, reforçando o potencial da radiômica como biomarcador não invasivo de valor adicional no manejo do câncer de mama.
10
Desafios e barreiras
Apesar dos avanços, a implementação clínica da radiômica é limitada pela falta de padronização de equipamentos, protocolos de aquisição e análise, além da escassez de validações externas multicêntricas. Esses fatores reduzem a aceitação por agências regulatórias e pela comunidade médica.
Perspectivas futuras
Para alcançar a prática rotineira, a radiômica precisa ser validada em ensaios clínicos como desfecho relevante e combinada a informações moleculares, laboratoriais e clínicas, garantindo maior robustez e aplicabilidade como biomarcador.
Referências
- Aerts HJ, et al. Decoding tumour phenotype by noninvasive imaging using a quantitative radiomics approach. Nat Commun. 2014; 5:4006.
- Horvat N, et al. Radiomics beyond the hype: a critical evaluation toward oncologic clinical use. Radiology: Artificial Intelligence. 2024; 6(4):e230437.
- Nakajima EC, et al. Tumor size is not everything: advancing radiomics as a precision medicine biomarker in oncology drug development and clinical care. JCO Precis Oncol. 2024; 8:e2300687.
- Belankar S, et al. MRI-based radiomics for prediction of isocitrate dehydrogenase subtype in glioblastoma multiforme through artificial intelligence models: A systematic review and meta-analysis. J Clin Oncol. 2025; 43(16_suppl):2074.
- Lu J, et al. Predicting PD-L1 status in NSCLC patients using deep learning radiomics based on CT images. Sci Rep. 2025; 15(1):12495.
- Hindocha S, et al. Gross tumour volume radiomics for prognostication of recurrence & death following radical radiotherapy for NSCLC. NPJ Precis Oncol. 2022;6(1):77.
- Shivananda DB, et al. Meta-analysis and systematic review of radiomics imaging for predicting pathological complete response to neoadjuvant therapy in esophageal squamous cell carcinoma. J Clin Oncol. 2025;43(16_suppl):e16083.
- Necchi A, et al. Magnetic resonance imaging (MRI) radiomics as predictor of clinical outcomes to neoadjuvant immunotherapy in patients with muscle invasive bladder cancer undergoing radical cystectomy. J Clin Oncol. 2025;43(16_suppl):2073.
- Li J, et al. Prediction of EGFR mutations in non-small cell lung cancer: a nomogram based on 18F-FDG PET and thin-section CT radiomics with machine learning. Front Oncol. 2025 Apr 2;15:1510386.
- Nicosia L, et al. Preliminary Evaluation of Radiomics in Contrast-Enhanced Mammography for Prognostic Prediction of Breast Cancer. Cancers (Basel). 2025 Jun 10;17(12):1926.