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Editor-convidado Caio Max S. Rocha Lima

Radiômica em oncologia: da imagem ao biomarcador

Dr. Caio Leite

26 de agosto de 2025

5 min. de leitura

A radiômica, ciência que interpreta exames de imagem convencionais como tomografia computadorizada, ressonância magnética e PET scan, convertendo-os em dados quantitativos complexos, tem surgido como uma das áreas mais promissoras da oncologia de precisão. A partir da análise computacional de centenas a milhares de variáveis, incluindo forma, textura, intensidade e heterogeneidade tumoral, é possível gerar assinaturas de imagem que se correlacionam com características biológicas, moleculares e prognósticas do câncer.1 e 2 Introduzida na oncologia há pouco mais de uma década, a radiômica tem demonstrado potencial em diferentes etapas do cuidado oncológico: diagnóstico, estratificação de risco, predição de resposta terapêutica e monitoramento da doença. Contudo, a incorporação ampla na prática clínica ainda enfrenta desafios relacionados à padronização metodológica e à validação multicêntrica.1 e 2 Aspectos conceituais e metodológicos O processo radiômico compreende diversas etapas interligadas: aquisição e padronização das imagens, segmentação da região de interesse, extração e seleção das características mais informativas e, por fim, modelagem preditiva por meio de algoritmos de aprendizado de máquina. Essas características podem ser obtidas a partir de descritores matemáticos pré-definidos (como intensidade, forma e textura) ou extraídas de forma automatizada por técnicas de aprendizado profundo (deep learning), capazes de reconhecer padrões complexos de maneira autônoma.3 Aplicações clínicas investigadas As aplicações da radiômica já exploradas na oncologia abrangem desde o diagnóstico até o prognóstico. No diagnóstico, por exemplo, a técnica tem sido investigada para distinguir subtipos moleculares de gliomas (IDH-mutados versus selvagens)4 e para predizer a expressão de PD-L1 em câncer de pulmão.5 Após terapias com intenção curativa, modelos baseados em tomografia computadorizada foram utilizados para estimar o risco de recidiva em pacientes com câncer de pulmão submetidos à radioterapia.6 Já durante o acompanhamento clínico, assinaturas radiômicas vêm sendo avaliadas como ferramentas para antecipar padrões de resposta terapêutica ou de progressão tumoral.7 Evidências recentes Na ASCO 2025, foi apresentada uma análise do estudo PURE-01, que incluiu 112 pacientes com câncer de bexiga músculo-invasivo tratados com pembrolizumabe neoadjuvante. A avaliação de 289 parâmetros radiômicos obtidos das ressonâncias identificou variáveis de forma e textura fortemente associadas à resposta ao tratamento. O modelo foi capaz de antecipar corretamente a ocorrência de resposta patológica completa em 86% dos casos (IC95% 72%–100%) e de resposta maior em 92% dos casos (IC95% 81%–100%). Esses achados reforçam o potencial da radiômica em prever desfechos de imunoterapia, embora ainda precisem de validação externa.8 Em um estudo retrospectivo com 313 pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas, foi desenvolvido um nomograma radiômico a partir de PET scan integrado a aprendizado de máquina para predizer o status mutacional do EGFR. O modelo combinado, que reuniu escores radiômicos com variáveis clínicas e radiológicas, demonstrou desempenho robusto, sendo capaz de distinguir corretamente pacientes com e sem mutação do EGFR em 83% dos casos (IC95% 72%–94%) na validação externa, superando significativamente os modelos baseados apenas em dados clínicos ou radiológicos.9 Mais recentemente, um estudo prospectivo com 126 pacientes com câncer de mama submetidos à mamografia contrastada antes da biópsia desenvolveu um escore clínico-radiômico voltado à predição prognóstica. O modelo integrado apresentou desempenho superior ao escore clínico isolado, com capacidade de discriminar corretamente os desfechos clínicos em 84% dos casos para sobrevida global e em 82% para sobrevida livre de doença, reforçando o potencial da radiômica como biomarcador não invasivo de valor adicional no manejo do câncer de mama.10 Desafios e barreiras Apesar dos avanços, a implementação clínica da radiômica é limitada pela falta de padronização de equipamentos, protocolos de aquisição e análise, além da escassez de validações externas multicêntricas. Esses fatores reduzem a aceitação por agências regulatórias e pela comunidade médica. Perspectivas futuras Para alcançar a prática rotineira, a radiômica precisa ser validada em ensaios clínicos como desfecho relevante e combinada a informações moleculares, laboratoriais e clínicas, garantindo maior robustez e aplicabilidade como biomarcador. Referências 
  1. Aerts HJ, et al. Decoding tumour phenotype by noninvasive imaging using a quantitative radiomics approach. Nat Commun. 2014; 5:4006.
  2. Horvat N, et al. Radiomics beyond the hype: a critical evaluation toward oncologic clinical use. Radiology: Artificial Intelligence. 2024; 6(4):e230437.
  3. Nakajima EC, et al. Tumor size is not everything: advancing radiomics as a precision medicine biomarker in oncology drug development and clinical care. JCO Precis Oncol. 2024; 8:e2300687.
  4. Belankar S, et al. MRI-based radiomics for prediction of isocitrate dehydrogenase subtype in glioblastoma multiforme through artificial intelligence models: A systematic review and meta-analysis. J Clin Oncol. 2025; 43(16_suppl):2074.
  5. Lu J, et al. Predicting PD-L1 status in NSCLC patients using deep learning radiomics based on CT images. Sci Rep. 2025; 15(1):12495.
  6. Hindocha S, et al. Gross tumour volume radiomics for prognostication of recurrence & death following radical radiotherapy for NSCLC. NPJ Precis Oncol. 2022;6(1):77.
  7. Shivananda DB, et al. Meta-analysis and systematic review of radiomics imaging for predicting pathological complete response to neoadjuvant therapy in esophageal squamous cell carcinoma. J Clin Oncol. 2025;43(16_suppl):e16083.
  8. Necchi A, et al. Magnetic resonance imaging (MRI) radiomics as predictor of clinical outcomes to neoadjuvant immunotherapy in patients with muscle invasive bladder cancer undergoing radical cystectomy. J Clin Oncol. 2025;43(16_suppl):2073.
  9. Li J, et al. Prediction of EGFR mutations in non-small cell lung cancer: a nomogram based on 18F-FDG PET and thin-section CT radiomics with machine learning. Front Oncol. 2025 Apr 2;15:1510386.
  10. Nicosia L, et al. Preliminary Evaluation of Radiomics in Contrast-Enhanced Mammography for Prognostic Prediction of Breast Cancer. Cancers (Basel). 2025 Jun 10;17(12):1926.

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